Vamos falar sobre GORDOFOBIA?
- Kelly Damasceno
- 24 de set. de 2018
- 4 min de leitura
Esses dias, enquanto aguardava numa fila, vi uma menina vestindo um moletom vermelho com a estampa do Mickey. Eu só me dei conta da estampa do Mickey após alguns segundos, não foi a imagem que me chamou a atenção no momento exato que olhei o moletom. O mickey é uma figura tão recorrente na nossa cultura que para mim foi como olhar simplesmente para a cor vermelha. Me pergunto se eu teria a mesma impressão se olhasse para um casaco da Hora de Aventura, por exemplo.
Certas figuras estão tão entranhadas na nossa cultura que sequer nos perguntamos como as conhecemos e de onde as conhecemos; simplesmente naturalizamos, pensamos que as coisas são assim e pronto. Você pensa na marca de cigarros Marlboro e vem à sua cabeça a figura do caubói do comercial: calado, destemido, controlando a natureza à sua volta. Do mesmo modo, muitas outras figuras fazem parte do nosso cotidiano.
Nessa eu me pergunto: quantas dessas figuras são gordinhas?
Qual o lugar da pessoa fora dos padrões na nossa sociedade - de maneira geral? Eu certamente me lembro de personagens gordos vistos como engraçados, onde as piadas relacionadas a eles são sempre piadas relacionadas aos seus hábitos alimentares. Leandro Hassum, por exemplo, disse que as pessoas dizem pra ele que agora que emagreceu está menos engraçado; eu me lembro de como Duda - primo de Harry Potter - é julgado não apenas pelo seu caráter egoísta e mimado como por ser gordo; a obra não carece de descrições pejorativas relacionadas com o fato do personagem ser gordinho, como se isso também fizesse parte das suas falhas como ser humano.
Mas aí é natural, né? Gordo é feio, falta de saúde, blá, blá e tanto blá que acabamos por não perceber que o nosso comportamento é totalmente influenciado pela nossa cultura e não natural. Onde há garantia de saúde em ter o “corpo perfeito”? Ou pior: onde há garantia de saúde mental em pessoas “esteticamente aceitáveis” que se sacrificam em “dietas da moda” e inúmeros projetos mirabolantes para no próximo verão ter o tão sonhado corpo-capa-de-revista ou coisa que o valha? Cada um tem um biotipo, cada um sabe de si e o que é melhor para si. Desde que isso não influencie a sua saúde, de fato, por que não? (Mais tarde podemos discutir sobre o que é saúde).
Você consegue perceber que esses padrões são impostos por indústrias que ganham verdadeiros oceanos de dinheiro, vendendo o “corpo perfeito” para pessoas que só querem no fundo ser aceitas? Pessoas que de tanto “não” implícito nos olhares ao seu redor e em discursos gordofóbicos acabam por dizer não para si mesmas e a colecionar neuroses com o próprio corpo. Quantas amigas você tem que são pessoas ótimas e lindas e que pelo simples fato de serem gordinhas têm a auto-estima tão baixa que se sujeitam a relações abusivas por acharem que esse é o tipo de amor que merecem - mesmo que inconscientemente? Aliás, os namorados nunca esquecem de dizer - com palavras ou não: “ se terminar comigo, vai ser difícil arrumar outro”.
Olhar é julgar. E um(a) gordo(a) nunca passa despercebido(a) pelos olhares julgadores. Como se fosse uma estampa que não estamos acostumados a ver. E na verdade, é só isso mesmo. Um corpo diferente do que estamos acostumados a ver à mostra. Vejamos o exemplo da modelo Plus Size Tess Holliday que foi capa da revista Cosmopolitan recentemente e causou um auê danado, recebendo uma chuva de críticas. Algumas chegam a dizer que a revista “está incentivando a obesidade”. O que é um absurdo completo, uma vez que o corpo alheio não diz respeito a ninguém, quanto mais ser responsável por incentivar ou não o outro.
Casos como esse nos mostram que apesar de hoje em dia termos mais conscientização em relação às modelos plus size e a indústria, ainda destilamos preconceito quando essas pessoas saem do lugar social que lhes é atribuído e vão parar na capa de revistas que não sejam destinadas à moda plus size. É quase uma afronta, certas pessoas se sentem realmente ofendidas por ver gordas ocupando os mesmos espaços que modelos não gordas. É segregador, ultrapassado e gordofóbico. É não saber lidar com o que consideram ser diferente. Em pleno 2018 é inacreditável que a palavra “gordo” ou “gorda” seja depreciativa.
A falta de empatia é um problema mais grave que a obesidade em termos de saúde. O comportamento - muitas vezes vindo do profissional - isto é, um gesto, um olhar, a maneira de dizer, o que é dito etc. contribui para muitos dos sintomas (até de transtornos) que a pessoa em quadro de obesidade possa desenvolver.
Respeite o próximo, respeite a si mesmo, respeite seu corpo e pare de meter o bedelho no que não lhe diz respeito. Façamos um exercício de pensar a população mundial de pessoas “normais”, o cidadão comum. Quem é mais normal? A Tess ou as modelos que costumam estampar essas capas? É bom que reflitamos o porquê do “padrão” ser sempre o praticamente inalcançável para a maioria das pessoas.
EU, SENDO NUTRICIONISTA E TENDO ESCRITO ESSE POST, NÃO ESTOU EM POSIÇÃO DE INCENTIVAR ABSOLUTAMENTE NADA. QUERO TRAZER A REFLEXÃO. UM PACIENTE COM OBESIDADE QUE CHEGA ATÉ O CONSULTÓRIO NÃO PODE SER REDUZIDO SOMENTE A OBESIDADE, ESSE PACIENTE TEM UMA HISTÓRIA, UM CONTEXTO E UM MODO DE VIVER QUE O FEZ CHEGAR ATÉ MIM, COM SUAS QUEIXAS E SEUS OBJETIVOS. CABE A MIM, COMO NUTRICIONISTA, CONSCIENTIZAR [FALAR SOBRE MUITOS ASSUNTOS, DENTRE ELES OS RISCOS TAMBÉM] E NÃO JULGAR, NEM PROIBIR E MUITO MENOS CONSTRANGER.
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